Há exatamente 90 dias atrás, fui colocado diante de um leão. Um leão de cor negra, olhos vermelhos como o fogo, sedento de sonhos. Me disse ele: "Tua vida acaba aqui. A partir de hoje, te resignarás a aguardar a tua hora. Teus sonhos levarei comigo, pois não tens mais direitos sobre eles. Teus atos te trouxeram até aqui, e eles serão teu ponto final."
Uma criança, com medo, sentindo o frio mais intenso do universo atingir em cheio sua alma pequena e azul.
Sentado naquela cadeira, me senti o ser vivo mais vulnerável do mundo. Bastaria um toque para que eu me desmanchasse em milhares de pedaços. Senti abraços e palavras de conforto, mas eu estava desprovido de sentidos. O pavor turvou qualquer noção de tempo e espaço que ainda restava no meu pensamento consciente. Enquanto isso, minha tristeza liquefeita escorria sobre minha face, na tentativa de despressurizar a tensão que se instalou no meu corpo. Meu espírito sangrava vigorosamente, diante do imenso buraco negro que se abriu debaixo dos meus pés e fui obrigado a assistir meus sonhos serem destroçados por aquele leão feroz e impiedoso que sentenciou minha vida para sempre.
Posso dizer que, ironicamente, morri no mesmo dia do meu nascimento. Minhas cinzas, misturadas com minhas lágrimas, deram origem a um ser desconhecido, que aos poucos estou aprendendo a reconhecer.
Lentamente, minha noção de realidade foi se ajustando à escuridão instaurada. Revirei minha memória para encontrar um culpado, mas somente a minha imagem vinha à tona. Mais um fracasso para minha infindável coleção. De repente, ouvi a voz do mundo me chamando lá fora interrompendo meu devaneio, e percebi que a mudança havia ocorrido somente dentro de mim. No mundo externo, as coisas continuavam exatamente iguais. Eu precisava agir como de costume, mas minha alma desfigurada precisava de um disfarce. Peguei a melhor máscara da estante, respirei fundo e voltei à superfície para continuar encenando a peça da minha vida. Mas posso dizer que sou um péssimo ator.
Cá estou. Com pedaços de sonhos nas mãos. Tentando costurar cada pedacinho para preservá-los em meu pensamento. Vou riscando cada dia em uma parede, como um prisioneiro na cela, aguardando o dia em que será libertado e pedindo a Deus que a chama da esperança jamais se apague dentro de mim.

Oi, Hades. Há pouco fiz uma pesquisa de imagem sobre um leão com olhos vermelhos, ou de fogo e me deparei com o teu blog, com este texto incrível 07 anos depois de tê-lo escrito... Fiquei intrigada, emocionada e com muita vontade de conhecê-lo. Se um dia estiveres por Porto Alegre, por favor, permita-me um convite para um café. Gratidão pelo texto. Bom dia. Karen
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